Um novo Ano Pastoral: Onde há amor, nascem gestos
É Jesus que, ao estar presente na comunidade, dá corpo à unidade e, ao mesmo tempo, credibilidade à Igreja. Este amor mútuo não é algo passivo. Recebe-se como dom de Deus e cria-se a responsabilidade de amar a Humanidade inteira. Amado por Deus, ama-se como Cristo amou, ou seja, dando a vida por todos sem excluir ninguém, sempre numa predileção particular por aqueles que parecem não percepcionar o amor divino. Este amor é essencialmente relação mas tem necessidade de se articular em diversos serviços, que se completam entre si com harmonia e testemunham a vida trinitária. O amor mútuo manifesta Deus e a unidade no agir eclesial confirma a verdade do anúncio da Palavra.
A comunidade é este espaço de comunhão fraterna que assume a missão única de Cristo numa pluriforme manifestação de talentos e carismas. Unidade de vida e unidade na corresponsabilidade. Se outrora a Igreja aparecia como única protagonista na salvação da Humanidade, hoje deve entender-se como serva de todos, colaborando com todas as realidades que o mundo lhe oferece. A Igreja nunca poderá caminhar sozinha mas terá de entrelaçar o seu agir pastoral numa simbiose de diálogo, de permuta de dons e criando parcerias com todos os que querem construir uma Humanidade fraterna e justa.
Com o tempo da pandemia avivei esta dinâmica. O Papa foi sublime quando recordou que estávamos todos no mesmo barco. A salvação é coletiva. O timoneiro da barca é um só para aqueles que acreditam. A comunidade tem o dever de manifestar o Seu rosto ao mundo, sem fazer proselitismo, que parece querer ignorar o que verdadeiramente tem valor. Quis sublinhar isto mesmo com a referida Nota Pastoral. A Igreja, com os seus cristãos, deve caminhar escutando a Terra com os seus gritos mas sempre de olhos fixos no céu. Quando esquecemos esta atitude de acreditar que a salvação vem de outro lado, deixa ser aquilo para que foi instituída.
Somos agora desafiados pela sinodalidade. Já era uma opção assumida pela Arquidiocese. Agora, a Igreja universal espera que entremos nesta caminhada de discernir juntos o seu verdadeiro significado. A sinodalidade não é opcional para a Igreja. É constitutiva do seu ser e do seu agir. Não há outras alternativas que possam ser escolhidas. Importa, porém, intuir o que verdadeiramente deve estar em primeiro lugar para que ela se torne realidade na convivência comunitária e no discernir dos caminhos adequados para a evangelização. Se a unidade é continuidade da vida trinitária, a sinodalidade também terá de o ser. Daí que os caminhos da sinodalidade tenham de partir de uma espiritualidade coletiva. Isso mesmo referi na Carta Pastoral “Uma alma para o corpo da Igreja”. Sem uma espiritualidade do nós, como a definem os últimos papas, a sinodalidade corre o risco de ser aquilo que não se pretende. Sabemos que não basta juntar projetos e acumular ideias para decidir pela maioria. Só o Espírito une, encontrando o que Deus quer para o hoje da Igreja. Sem uma espiritualidade sinodal, a sinodalidade será uma palavra vazia, usada com muita frequência neste contexto de um novo Sínodo, mas não oferecerá à Igreja a credibilidade de que necessita e a diferença que mostrará o verdadeiro contributo que podemos e devemos dar à sociedade.
Desejo que este ano dedicado ao cuidar a partir de um amor marcado por gestos, na lógica do Samaritano, signifique esta graça. Importa continuar a renovação eclesial que temos vindo a prosseguir. Sabemos que também S. Bartolomeu dos Mártires nos ajuda a compreender o que é verdadeiramente prioritário. O seu lema episcopal não nos deixa indiferentes e sublinha o que teremos de fazer. “Arder e Iluminar” ou arder para iluminar. Ardor na união das vidas permitindo um amor forte entre todos e verdadeiramente apaixonados para oferecer ao mundo a salvação trazida por Cristo. Ardendo na paixão e dedicação uns pelos outros e cuidando das feridas, estaremos a fazer com que a Igreja, e nela as comunidades, iluminem as sombras de um mundo perdido. Também aqui a espiritualidade é suporte do pensar e do agir sinodal. Uma pessoa sozinha ou um pequeno grupo a arder não impressionará para o encontro com Cristo.
Poderia acrescentar muitas outras coisas. Seja-me permitido gritar a todos e a cada um. Empenhemo-nos na espiritualidade da comunhão. A mútua e a contínua caridade como programa. Jesus no meio como o verdadeiro interlocutor a escutar interiormente para ouvir sempre os outros de uma maneira desprendida e crescer num diálogo franco e aberto fazendo o discernimento do que convém verdadeiramente ao hoje da Igreja. Não se trata de confronto de ideias. Urge juntar um amor que une sobrenaturalmente. Os resultados coincidirão com a vontade de Deus.
Quero aproveitar para dar graças a Deus pela unidade que fomos construindo ao longo destes anos. Para mim foram trinta e quatro de bispo e mais alguns de Vigário do Clero. Não sei se fiz muito ou pouco. A vida foi acontecendo e hoje tudo pertence à misericórdia de Deus. Sei que deveria ter amado muito mais num amor concreto a todos e a cada um. A pressa em querer chegar a tudo nem sempre me permitiu a concretização em gestos de um amor que deveria ser pessoal e universal. O amor de Deus sabe que procurei gastar a vida pela unidade dentro da Igreja e com a sociedade deste Minho que nos identifica. Espero ser perdoado por não ter amado como deveria. Continuarei a caminhar com todos: sacerdotes, leigos, religiosos, religiosas, membros dos movimentos ou de qualquer outra instituição. Com a Igreja diocesana quero continuar a caminhar e com todos a sonhar por uma Igreja marcada pelo Evangelho e sinal de Deus num mundo que parece querer ignorá-Lo.”
† Jorge Ortiga,
Arcebispo Primaz
Dedicação da Catedral, 28/08/2021